Pesquisa feita na rede particular de SP revela que 15,4 % dos docentes cogitam largar a profissão por dificuldades na fala.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Um estudo inédito feito em São Paulo mostra que 63% dos professores da rede particular já tiveram problemas de voz.

A pesquisa, feita pelo Centro de Estudos da Voz em parceria com o Sindicato dos Professores de São Paulo, é o primeiro estudo epidemiológico que aborda o tema no país. Ele será apresentado hoje no Simpósio Internacional do centro, na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Os sintomas mais apontados pelos docentes no levantamento foram garganta seca (51,7%), rouquidão (35,1%) e pigarro (35,1%).

Foram entrevistados 250 docentes do ensino particular de São Paulo, do infantil ao superior, e 250 profissionais de outras áreas. Enquanto no primeiro grupo mais de 60% disseram já ter tido problema vocal, o percentual cai para 38,5% no segundo grupo.

A metodologia foi a mesma aplicada pelo pesquisador Nelson Roy, da Universidade de Utah, dos Estados Unidos, no mais amplo levantamento de saúde vocal dos professores norte-americanos. Até o final do ano, a pesquisa brasileira irá abranger as redes pública e particular de todo o país.

"Como os professores trabalham com a voz o tempo todo, eles estão mais propensos a ter problemas", afirma a fonoaudióloga Fabiana Zambon, uma das coordenadoras do estudo.

Outra coordenadora da pesquisa, Mara Behlau cita os seguintes pontos que agravam a situação da voz dos professores: carga horária intensa, turmas numerosas, classes sem preparo acústico e falta de conhecimento técnico do uso da voz. "Para eles, é até uma associação direta o fato de ser professor e de ter problema de voz."

A docente de artes no ensino básico Marisa Cagno Ribeiro, 50, que já chegou a ficar três dias sem voz, tem outra reclamação. "Os alunos estão muito indisciplinados. Precisamos competir com eles e falar mais alto."

O problema vocal dos professores também foi analisado por um outro estudo, feito pela Unifesp, pelo Ministério do Trabalho e pelo sindicato dos professores. O trabalho, que envolveu 1.400 entrevistas com docentes da rede privada de ensino superior, será apresentado num congresso em setembro. Uma das conclusões é que 70% dos educadores têm chances de perder dias de atividade devido a problemas na voz.

"A variável que mais influi é o número de alunos por classe", disse o chefe do setor de Laringologia e Voz da Unifesp, Paulo Pontes, um dos organizadores.

Os problemas de voz nos professores chegam a ser tão preocupantes que 15,4% dos docentes afirmaram que pensam em largar as aulas devido às dificuldades com a voz, segundo a pesquisa a ser apresentada hoje na Unifesp.

"Isso preocupa. Em física e química já há escassez de professores", disse o presidente do Sieeesp (sindicato das escolas particulares), José Augusto de Mattos Lourenço. Ele afirma que o sindicato está promovendo oficinas específicas sobre o assunto.

Falta preparo vocal, afirma fonoaudióloga

No começo, Andrea Gomes Bedin, 35, sentia apenas uma rouquidão de vez em quando. Depois, isso se tornou freqüente e começou a incomodá-la a cada dois dias. No ano passado, como o incômodo não cessava, ela foi fazer exames. Descobriu, então, que já estava com três cistos nas cordas vocais.

"Fiquei assustada. Pensei em mudar de profissão", conta a professora de história do ensino fundamental de uma escola privada na zona norte de São Paulo.

Constatado o problema, Andrea procurou ajuda fonoaudióloga. Em uma parte do tratamento, a educadora teve de ficar três dias em total silêncio. Em outra, fez muitos exercícios de aquecimento e de relaxamento das cordas vocais. Além disso, precisou mudar hábitos. "Tomava gelado e falava depressa e alto, porque me empolgava na explicação."

Outra professora que teve problema vocal foi Marly Falconi Silva, 51, que leciona química em dois colégios particulares da capital paulista. No ano passado, ela chegou a ficar totalmente sem voz. "Dou aulas há 24 anos e, até então, nunca tinha recebido instrução de como usar a voz."

A fonoaudióloga Mara Behlau concorda com a reclamação. "A voz é o principal instrumento do professor. Ele recebe preparo pedagógico em sua formação, mas não aprende nada sobre o preparo vocal."

Behlau afirma também que o ideal é que os docentes já na ativa procurem auxílio fonoaudiológico como prevenção, antes de os problemas aparecerem.

Fábio Takahashi
Folha de São Paulo

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